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Introdução
Vamos ser sinceros: o Brasil e o Café sempre tiveram uma relação de amor e ódio. Nós dependíamos dele para tudo, superou até a grande produção de Cana de Açúcar no Nordeste , mas as crises eram aterrorizantes. (Conselho Nacional do Café (CNC), a grande virada do jogo, o ponto onde a nação disse “chega!” para a montanha-russa de preços, aconteceu logo após a Revolução de 1930, quando o governo de Getúlio Vargas assumiu e percebeu que a nossa principal riqueza precisava de uma babá de tempo integral.
A velha política de Valorização do Café, feita pelos próprios fazendeiros, tinha acabado de levar o país ao fundo do poço com a Crise de 1929.
Nessa época, não dava mais para deixar o café nas mãos do “mercado” ou de políticos e fazendeiros locais.
É aqui que entra o nosso personagem principal: o Conselho Nacional do Café (CNC), criado em 1931. Ele não era só mais um escritório; ele inaugurou a Era da Intervenção Permanente do Estado na economia cafeeira, transformando a política de defesa do café de um paliativo para um plano de longo prazo.
Neste artigo, vamos mergulhar na história do CNC, entender como ele funcionava, por que era tão poderoso e como ele moldou o futuro da nossa economia, garantindo que o café, finalmente, tivesse um guardião.
O Nascer de Uma Nova Ordem: Por Que o CNC Foi Criado?
A Crise de 1929 não foi apenas financeira; foi uma crise de confiança. O modelo da Primeira República (a famosa “Política do Café com Leite”), onde as elites estaduais controlavam a produção e a defesa do café, havia ruído.
A quebra da Bolsa de Nova York fez os preços despencarem, e o Brasil se viu com milhões de sacas estocadas e financiamentos impossíveis de pagar.
O governo provisório de Getúlio Vargas precisava agir rápido e de forma centralizada. Além disso, era crucial mostrar ao mercado internacional (especialmente aos credores) que o Brasil estava tomando medidas sérias, coordenadas e nacionais para resolver o problema do excesso de oferta.
O Conselho Nacional do Café (CNC), fundado em abril de 1931, veio como a resposta. Sua missão era clara, embora brutal: centralizar a política cafeeira, controlar a produção, renegociar a dívida e, o mais polêmico, gerenciar a destruição do café (o tema do nosso post anterior!).
Os Poderes Ilimitados: Como o CNC Controlava o Jogo
O CNC era, na prática, um órgão com poderes quase ditatoriais sobre a economia do café. Ele não apenas definia preços, mas controlava a vida do grão desde a fazenda até o navio de exportação.
Aqui estão os três pilares da intervenção permanente do CNC:
1. A Taxa de Sacrifício e o Imposto de Exportação
Para financiar a compra e a destruição dos estoques excedentes – a famosa Queima do Café – o CNC instituiu impostos sobre as sacas que eram, de fato, exportadas.
- A Taxa de Sacrifício: Cada saca exportada pagava uma taxa altíssima. Esse dinheiro era usado para comprar e destruir o café que estava sobrando no país. Portanto, era o café vendido que financiava a morte do café estocado.
- Controle de Qualidade: O Conselho também usava esse poder para retirar do mercado o café de pior qualidade. A ideia era que, se o Brasil vendesse apenas cafés melhores, a imagem do produto nacional seria valorizada lá fora.
2. O Veto ao Plantio e a Produção Controlada
O problema fundamental do Brasil era o excesso de produção. De que adiantava queimar milhões de sacas se, a cada nova colheita, o problema se repetia?
- O CNC proibiu o plantio de novas mudas por um tempo e, posteriormente, taxou fortemente qualquer nova lavoura. Isso foi um choque para os fazendeiros, que estavam acostumados a expandir a plantação sem limites. No entanto, essa medida era essencial para alinhar a oferta brasileira à demanda mundial, garantindo que o preço se mantivesse em um nível lucrativo.
3. Centralização da Dívida e do Câmbio
As políticas de defesa anteriores eram feitas com empréstimos estaduais. O CNC assumiu todas essas dívidas, renegociando-as em nome da União.
Isso deu ao Brasil uma voz muito mais forte nas negociações internacionais e libertou os estados de um fardo financeiro colossal. Além disso, o CNC passou a coordenar, junto ao Banco do Brasil, as políticas cambiais relacionadas à exportação.
Sucesso Amargo: O Legado do CNC
O Conselho Nacional do Café foi um sucesso inegável no seu objetivo principal: salvar o café da falência e estabilizar o preço internacional.
Graças à sua ação, o Brasil conseguiu:
- Reduzir o Estoque: A queima de mais de 78 milhões de sacas eliminou o risco de inundação do mercado e permitiu que os preços se recuperassem gradualmente a partir de 1934.
- Credibilidade Externa: O CNC provou aos credores que o Brasil era sério em relação às suas dívidas e políticas econômicas, abrindo caminho para futuros acordos internacionais.
- Modernização: Ao proibir novos plantios, o CNC indiretamente forçou os fazendeiros a se concentrarem na produtividade das lavouras existentes, usando técnicas mais eficientes, e não apenas na expansão territorial.
Porém, a intervenção estatal também teve um lado amargo. Muitos fazendeiros menores não conseguiram sobreviver aos impostos e às restrições de plantio.
O CNC representou o fim da autonomia da elite cafeeira, que perdeu o controle de seu destino para um órgão federal. Por isso, a relação entre o produtor e o CNC foi sempre tensa, marcada por desconfiança e ressentimento pela perda de poder.
O Fim do CNC e a Lição da Intervenção
O Conselho Nacional do Café existiu até 1933, quando foi substituído pelo Departamento Nacional do Café (DNC), que continuou e aprofundou a política de intervenção até a década de 1940. Em seguida, o DNC se tornou um órgão ainda mais poderoso, mantendo o controle da oferta por décadas.

Oswaldo Aranha visita a Feira de Amostras no Departamento Nacional do Café, 1933. Rio de Janeiro (RJ). (CPDOC/ OA foto 105/3) Domínio público
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/RelacoesInternacionais/PoliticaEconomica
O legado do CNC/DNC é a prova de que, para uma commodity vital como o café, o Brasil precisou de uma política de defesa de longo prazo, coordenada centralmente.
Ele demonstrou que, às vezes, a intervenção do Estado é a única saída para proteger uma economia do caos do mercado.

Café. Departamento Nacional do Café, Rio de Janeiro. Campanha da boa bebida. Domínio público https://www.pinterest.cl/pin/328551735291436368/
Resumindo, o CNC foi o arquiteto da recuperação brasileira pós-1929, usando o poder do Estado para impor ordem ao caos e garantir que o nosso café continuasse sendo o motor financeiro do país por muitas e muitas décadas.
O Renascimento em 1981
O seu “Renascimento” ocorreu em junho de 1981 como uma entidade privada, fundada por líderes do setor cafeeeiro para representar cooperativas e produtores, defendendo a cafeicultura brasileira, promovendo a sustentabilidade e atuando como fórum de discussão de políticas cafeeiras.
Podemos conhecer mais essa “Segunda Fase” consultando seu site: https://cncafe.com.br/historia/
Conclusão: O Guardião do Grão
A história do Conselho Nacional do Café (CNC) nos ensina que, após o trauma da Crise de 1929, o Brasil precisou de uma mudança radical. O café, nossa maior riqueza, não podia mais ser um brinquedo nas mãos de elites estaduais ou do mercado desregulado. O CNC foi esse guardião, esse xerife federal que impôs a ordem.
Essa Era da Intervenção Permanente custou caro e foi marcada pela tristeza da destruição (a Queima), mas foi ela que possibilitou a estabilização, a renegociação das dívidas e, finalmente, o retorno do café brasileiro ao topo do comércio global.
🔗 Links Internos Sugeridos:
Crise de 1929 – https://www.graonobre.com.br/crise-de-1929-o-dia-em-que-cafe-se-tornou-lixo
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